Mila Braga de Lima¹
¹ Especialista em políticas públicas e gestão governamental do Estado do Rio de Janeiro, atualmente assessora da Superintendência de Concessões da Secretaria Estadual de Transportes.
Resumo: O presente texto traz uma visão genérica da situação do transporte público de massa do Estado do Rio de Janeiro, no contexto pós pandemia, pela visão de uma gestora pública estadual que há dois anos atua na gestão dos contratos de concessão metroviário e ferroviária do Estado do Rio de Janeiro.
Em uma retrospectiva histórica, no final de 1998, o Estado do Rio de Janeiro executou o Programa Estadual de Desestatização por meio do qual as operações do transporte de pessoas nos modais metroviário e ferroviário foram transferidas à iniciativa privada, mediante regime de concessão e foi privatizada a operação no modal aquaviário.
Ressalta-se que o Rio de Janeiro foi pioneiro nesse tipo de contratação de serviço público no Brasil. À época, os leilões foram uma inovação para Administração Pública. Mas, passados mais de 20 anos, estes contratos estão ultrapassados e desequilibrados, em especial pela ausência de subsídios e olhar estratégico para as políticas de mobilidade urbana no Estado.
Com a pandemia da COVID-19, é notório que a mobilidade urbana em nível local e mundial foi diretamente impactada, com uma queda relevante na demanda de usuários por razões sanitárias, pelo novo regime híbrido presencial e homeoffice, pelo empobrecimento da população usuária do sistema de transporte público de passageiros e pelos reflexos da crise econômica que atingiu também os operadores privados.
Diante desse cenário, após dois anos e meio de déficits nos caixas, as Concessionárias vêm tendo dificuldades para manter um serviço de transporte regular, adequado, com qualidade, segurança e universalidade para os milhões de usuários dos sistemas, em conformidade com a legislação vigente e o pactuado nos contratos de concessão e seus aditivos.
Ao longo do ano de 2020, a demanda de passageiros nos sistemas metroviário, ferroviário e aquaviário caiu muito. Segundo dados dos servidores da Secretaria de Estado de Transportes, em números aproximados a média de passageiros nos dia úteis no sistema aquaviário contava com cerca de 75 mil passageiros/dia útil. Já durante a pandemia, esse número chegou a cair para 11,5 mil e atualmente se encontra próximo de 35 mil passageiros/dia útil.
O sistema metroviário tinha uma média aproximada de 900 mil passageiros/dia útil antes da pandemia. O metrô teve uma queda de 80% de passageiros, chegando a 150 mil no início da pandemia e nos dias atuais a demanda está alcançando a marca dos 600 mil passageiros/dia útil.
No sistema ferroviário a média antes da pandemia era de 600 mil passageiros/dia útil. Durante a pandemia a baixa demanda alcançou 250 mil passageiros nos trens e hoje em dia o sistema está operando com cerca de 450 mil passageiros/dia útil.
O modelo de remuneração dos contratos é baseado primordialmente nos custos dos serviços, pagos essencialmente por meio da receita auferida com as tarifas. A alta queda da demanda de passageiros ocasionada pela pandemia, incorreu em um menor volume de receita, que por sua vez não cobre os custos dos serviços.
Nesse contexto, as Concessionárias pleitearam um reequilíbrio extraordinário do contrato, face à Agência Reguladora, que deliberou no sentido de que o Poder Concedente deveria arcar com a parcela dos custos dos serviços, até a linha do equilíbrio do contrato, chamada de break even operacional. As perdas acima da linha do equilíbrio deveriam ser negociadas entre o Estado e as Concessionárias. Essas negociações geraram o compartilhamento das perdas acima do break even e as Concessionárias SuperVia e MetrôRio receberam uma ajuda emergencial em caráter indenizatório, que deu um alívio em seus caixas.
Foi noticiado mundialmente que os sistemas de transporte público coletivo de passageiros (transportes de massa) receberam apoio dos governos nacionais e locais. No Brasil, a falta de medidas de socorro emergencial específicas por parte do governo federal piorou o cenário de déficit das concessões. Ressalta- se que o Congresso Nacional, à época, articulou um pacote de 4 bilhões de auxílio emergencial ao sistemas, que foi vetado pelo Governo Federal.
A queda na demanda, reajustes tarifários congelados, manutenção das gratuidades, falta de ajuda emergencial por parte do governo federal, aliada a necessidade de atender às naturais exigências dos órgãos de controle e do Poder Legislativo Estadual por uma prestação de serviço adequada, regular e de qualidade fez com que as concessões acumulassem prejuízos bilionários.
É importante pontuar ainda que, no cenário anterior a pandemia, os contratos já contavam com revisões quinquenais não julgadas, com consequentes desequilíbrios contratuais e pior, sem perspectiva de aporte de investimentos visando a manutenção, melhoria e/ou expansão dos serviços, nem por parte das operadoras, nem por parte do Estado.
Outro elemento, que corrobora para a depreciação dos serviços, é a ausência de recursos públicos regulares e contínuos para o setor de transporte de passageiros no estado, seja para investir em melhoria ou expansão dos sistemas, seja para investir em equipe dedicada à fiscalização do que já existe.
Diferentemente da maioria das operações de transporte público mundo afora, não existe, no Estado do Rio de Janeiro, nenhuma política pública que vise subsidiar esse serviço de natureza essencial, nem mesmo para a população de baixa renda. O único subsídio do Estado é o bilhete único intermunicipal, que coloca um teto no custo do transporte diário para quem utiliza mais de um modal por viagem na região metropolitana do Rio de Janeiro
Esse quadro configura em um jogo em que quem mais perde é a população, que é atendida por um serviço caro, de baixa qualidade e desempenho, além da cobertura não atender toda região metropolitana. Exemplos da má qualidade dos serviços são noticiados semanalmente nas denúncias sobre o sistema ferroviário estadual. Há que se ressaltar que a Concessionária SuperVia encontra-se em Recuperação Judicial.
Para mudar esse quadro, é necessário que os governos percebam que a mobilidade urbana é um setor estratégico, que precisa de recursos e instituições públicas maduras e perenes. O Poder Concedente deveria ser o maior interessado na prestação desse serviço que é essencial. Para tanto precisa perceber que se não houver recursos públicos para investir nos sistemas e subsidiar a tarifa para a população mais necessitada, a tendência é a decadência contínua do setor.
Além do olhar estratégico e do aporte de investimentos é premente modernizar os contratos, reequilibrá-los e estabelecer um novo modelo de remuneração para os serviços, pois sustentar o sistema apenas pela tarifa de bilheteria se tornou inviável!
Referências Bibliográficas
Contratos de concessão
Cartas das concessionárias
Transporte público urbano mantém queda de demanda em torno de 40% desde agosto de 2020. Disponível em: <https://diariodotransporte.com.br/2021/03/24/transporte-publico-urbano-mantem-queda-de-demanda-em-torno-de-40-desde-agosto-de-2020/>. Acesso em: 19 set. 2022.
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